domingo, 14 de abril de 2013

A TAM Linhas Aéreas terá que pagar multa de R$ 250 mil pelo atraso de quatro horas na divulgação da lista de vítimas do acidente aéreo com o voo JJ 3054, ocorrido em 17/07/2007, que vitimou 187 pessoas, entre passageiros e tripulantes. 

O valor será revertido ao Fundo Estadual de Defesa do Consumidor. A decisão da 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) aumenta o valor fixado na sentença de 1° Grau, que havia fixado o montante em R$ 100 mil.

Caso

A companhia aérea ajuizou Ação Ordinária com pedido de tutela antecipada contra o Estado do Rio Grande do Sul narrando que o PROCON instaurou procedimento administrativo pelo fato da TAM não ter informado a listagem de passageiros do vôo 3054 no prazo de três horas e impôs pena de multa baseada em violação a dispositivos do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e da Instrução de Aviação Civil nº 200-1001. Sustentou que não infringiu regras do CDC e que o atraso na divulgação da lista deveu-se à demora na obtenção de dados e necessidade de precisão das informações.

Requereu tutela antecipada para suspender a exigibilidade do pagamento da multa imposta no valor de R$ 971.031,60 e a anulação dos atos administrativos ou a reforma do ato para reduzir o valor da multa.

Sentença

A Juíza de Direito Mara Lúcia Coccaro Martins, da 2ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central, destacou o item 3.1.5 da Instrução da Aviação Civil nº 200-1001, que determina que após a empresa aérea tomar conhecimento de um acidente aeronáutico, envolvendo uma de suas aeronaves, deverá confeccionar a lista reconciliada dos passageiros e tripulantes a bordo da aeronave acidentada, no prazo de três horas, para seu próprio uso e para a 
Autoridade Aeronáutica, caso esta a solicite.

Da leitura de tal dispositivo, a magistrada concluiu que a expressão para seu próprio uso deve ser interpretada como para ter ciência dos passageiros e tripulantes à bordo e também para dar conhecimento a interessados, familiares das vítimas e outros.

A magistrada entendeu, entretanto, que a multa aplicada pelo PROCON resultou em valor muito elevado, afastado do razoável e proporcional. Assim, ela fixou o valor em R$ 100 mil.

Decisão do Tribunal

As duas partes recorreram da sentença. A TAM defendeu a inaplicabilidade do CDC, argumentando que os familiares não podem ser considerados destinatários de tal ato. E que a Instrução de Aviação Civil não a obriga a divulgar a lista de passageiros de seus voos a familiares, especialmente no exíguo prazo de três horas, sendo que a destinação da listagem destina-se a uso próprio ou da autoridade aeronáutica.

Já o Estado sustentou que o serviço não foi prestado adequadamente, pois a empresa extrapolou injustificadamente em mais do que o dobro do lapso. Salientou que a penalidade foi aplicada e graduada na forma da lei.

Ao analisar o pleito o relator, Desembargador Almir Porto da Rocha Filho, considerou que embora os familiares das vítimas do acidente não tenham adquirido o serviço prestado pela empresa aérea, a relação entre eles é inegavelmente de consumo. Os familiares se enquadram no conceito de 'consumidor por equiparação', sendo considerados vítimas do evento, afirmou o relator.

Ainda, ressaltou que não prospera o argumento de que o item 3.1.5 da Instrução de Aviação Civil estabeleceria dever de confecção de lista somente para uso da própria empresa ou da autoridade aeronáutica. Por ser dita norma administrativa exatamente voltada à proteção não só dos usuários do serviço, mas também do núcleo familiar. É ela denominada Plano de assistência às vítimas de acidente aeronáutico e apoio a seus familiares. A leitura de sua introdução deixa patente que todas as suas disposições visam a amenizar os trágicos resultados causados às vítimas e aos familiares.   

E mesmo que se considerasse direcionada apenas à companhia e às autoridades aeronáuticas, deveria estar confeccionada em três horas, consequentemente, solicitada por familiares, cabia a disponibilização, concluiu ele.

Com relação à multa aplicada, o Desembargador Almir entendeu que o valor fixado pelo PROCON foi realmente excessivo, mas que o mesmo foi demasiadamente reduzido em 1° Grau.

O Desembargador ponderou que embora tenha havido demora de quatro horas além do prazo de três horas concedido na norma administrativa, o acidente aéreo envolveu também o setor de cargas de da companhia, o que, sem dúvida, acresceu em parte o caos instaurado. Acrescentou que o atraso na liberação da lista de passageiros e tripulantes atuou apenas como circunstância agravante no dia dos fatos, sem qualquer má-fé no agir da autora. 

Referiu ainda que o art. 57 do CDC estabelece que a pena de multa deve ser graduada de acordo com a gravidade da infração, a vantagem auferida e a condição econômica do fornecedor, bem como determina que a penalidade deve ser compreendida entre 200 e 3 mil UFIRs. Diante desses parâmetros, o magistrado fixou a quantia em R$ 250 mil.

Acompanharam o voto do relator os Desembargadores João Barcelos de Souza Júnior e Arno Werlang.

Apelação Cível n° 70045341443 


Fonte: TJRS

TJRJ: Google é condenada por exibir fotos íntimas

Os desembargadores da 20ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio reformaram, por unanimidade de votos, a sentença em primeira instância que condenou a empresa Google a indenizar Claudia da Silva, majorando a indenização para R$ 100 mil, por danos morais. Para o desembargador Marco Antônio Ibrahim, relator da decisão, “há, no direito brasileiro, um direito ao respeito ao qual corresponde uma obrigação passiva de não indignar outrem”. 
De acordo com os autos processuais, um perfil falso de Claudia foi criado na rede social Orkut e exibia fotografias íntimas de conteúdo sexual explícito dela com um ex-companheiro. Ela então solicitou à empresa Google, responsável pelo site de relacionamentos, que tal perfil fosse apagado, para evitar a exposição de sua intimidade.

No entanto, ainda de acordo com o processo, a remoção do conteúdo só ocorreu após uma liminar judicial concedida. As fotografias anexadas aos autos ficaram expostas no Orkut por vinte dias após a denúncia feita.

Segundo o desembargador relator Marco Antônio Ibrahim, “é incabível falar que a Google tem a obrigação prévia de fiscalizar o conteúdo das informações que circulam no Orkut. Mas também não se pode deixar a sociedade desamparada frente à prática cada vez mais recorrente de se utilizar comunidades virtuais para realização de atividades ilícitas”.

O magistrado também frisou a obrigação de se retirar imediatamente de circulação todo e qualquer tipo de conteúdo ofensivo, assim que se descubra a existência de páginas que contenham esse tipo de material. “No caso, as fotos de Claudia ficaram expostas e foram vistas por um número indeterminado de pessoas, em condições ultrajantes de intimidade. O provedor tem o dever de retirar o conteúdo, sob pena de responder solidariamente com o autor direto do dano, em virtude da omissão praticada”, concluiu o desembargador.

N° do processo: 0001811-45.2009.8.19.0011.

Fonte: TJRJ


STJ; Bradesco Saúde terá de cobrir despesas com cardiopatia congênita de neto de segurada

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou ser possível incluir neto de segurada titular como seu dependente em contrato de seguro de saúde anterior à Lei 9.656/98, bem como cobrir contratualmente as lesões oriundas da cardiopatia de natureza congênita que acomete a criança.

A titular do seguro firmou acordo com a Bradesco Saúde em 1993, indicando como dependentes suas três filhas. Em 1998, entrou em vigor a Lei 9.656, que mudou as regras sobre contratos de saúde.

Em razão das mudanças, os consumidores deveriam fazer opção expressa pela manutenção de seus contratos conforme a ordem anterior à lei ou pelo novo regulamento.

Em 2006, uma das filhas da titular teve filho com cardiopatia congênita, que necessitou de cirurgias para correção da má-formação logo após o nascimento.

Cláusula abusiva

A Bradesco se negou a cobrir o tratamento e moveu ação para que se reconhecesse a impossibilidade de cobertura de despesas com doenças congênitas de neto de segurada titular do contrato.

Ao julgar os pedidos da seguradora e da segurada, o juízo de primeiro grau concluiu pela possibilidade de inclusão do menor como dependente da titular do plano de saúde e afirmou ser abusiva a cláusula contratual que excluiu da cobertura a doença de formação congênita do neto. A decisão afastou, porém, a configuração de danos morais.

Inconformada com a decisão, a Bradesco ingressou com recurso no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que, ao apreciar o caso, entendeu não ser possível a inclusão do menor como dependente. A segurada também recorreu, pedindo o reconhecimento de danos morais, mas seu recurso foi considerado prejudicado em vista da decisão na apelação da seguradora.

Tal entendimento motivou a segurada a entrar com recurso especial no STJ.

Mudança na lei

O contrato em questão foi realizado entre as partes em 1993. Nele, lembrou o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, havia cláusula contendo possibilidade de inclusão de “qualquer pessoa” como dependente.

Com a entrada em vigor da Lei 9.656, em 1998, todos os segurados com contrato firmado anteriormente foram incentivados a se adaptar ao novo regramento. No artigo 35, parágrafo 5º, a lei previu que “a manutenção dos contratos originais pelos consumidores não-optantes tem caráter personalíssimo, devendo ser garantida somente ao titular e a seus dependentes já inscritos, permitida a inclusão apenas de novo cônjuge e filhos, e vedada a transferência de sua titularidade, sob qualquer pretexto, a terceiros”.

Para os ministros da Turma, a restrição imposta pela lei não atinge a segurada, já que “a adaptação do contrato ao novo sistema depende de expressa concordância do consumidor, que deve optar por manter seu contrato nos moldes anteriores ou se submeter à nova regulamentação, com os ajustes respectivos”.

O direito de opção, porém, não foi dado à segurada. Dessa forma, de acordo com a Turma, seria “inadmissível” permitir que tal restrição fosse imposta ao seu contrato de saúde.

Afastada a restrição, os ministros entenderam que as disposições que regiam o contrato permanecem “plenamente vigentes”. Daí porque ser “perfeitamente possível” admitir o neto da titular como seu dependente no seguro de saúde.

Cobertura
O contrato firmado estabelecia que as lesões decorrentes de má-formação congênita estariam excluídas da cobertura do seguro. Porém, o próprio contrato elencou exceções à exclusão.

Nas exceções, a seguradora estabeleceu que ficaria “automaticamente coberto, independentemente de inclusão, o filho de segurada nascido na vigência do seguro, pelo período de 30 dias, contados da data do nascimento, desde que a segurada, nessa mesma data, já tenha completado 15 meses sob cobertura deste seguro”.

Sanseverino explicou que, como o contrato estava em vigor havia mais de 15 meses, o filho da segurada nascido na sua vigência deveria ficar automaticamente coberto, até mesmo quanto a lesões oriundas de má-formação congênita, independentemente de prazo de carência.

O ministro esclareceu ainda que as expressões “segurada” e “filho da segurada”, usadas pela seguradora na redação do contrato, abrangem inegavelmente as dependentes como seguradas. “Caso a recorrida quisesse restringir o campo de abrangência de referidas cláusulas contratuais, deveria ter especificado serem elas aplicáveis apenas à titular do seguro”, afirmou.

Urgência

Ele comentou que, caso não houvesse cláusula prevendo exceção à exclusão da cobertura de doenças congênitas, mesmo assim deveria permanecer a obrigação da seguradora em arcar com as despesas da criança, já que se tratava de situação de urgência.

“A negativa de cobertura em casos de urgência e de emergência configura conduta abusiva em contrato de seguro de saúde, por violar a própria finalidade do contrato, além de ir de encontro às legítimas expectativas do consumidor”, ressaltou Sanseverino.

A tese da Terceira Turma restabeleceu a decisão do juízo de primeiro grau, ao determinar a inclusão do menor como dependente no seguro, além da cobertura para sua má-formação congênita. Os autos retornaram ao TJSP para o julgamento do recurso sobre danos morais.

 
Fonte: STJ

STJ: Em remessa oficial, tribunal deve se limitar à matéria discutida na sentença e às questões de ordem pública

O reexame necessário da sentença devolve ao tribunal somente matérias suscitadas, discutidas e decididas no juízo monocrático, bem como as questões de ordem pública do processo. Esse é o entendimento da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao apreciar recurso interposto pela Associação de Combate ao Câncer em Goiás (ACCG) contra a União.

Remessa oficial, também conhecida como reexame necessário ou duplo grau obrigatório, é um instituto do Código de Processo Civil (artigo 475) que exige que o juiz mande o processo para o tribunal de segunda instância, havendo ou não apelação das partes, sempre que a sentença for contrária a algum ente público. A sentença só produzirá efeitos depois de confirmada pelo tribunal.

A decisão da Primeira Turma foi proferida por maioria de três votos a dois, em julgamento no qual se discutiu a possibilidade de o tribunal de segunda instância inovar no processo quando do reexame necessário da sentença, em processos envolvendo a Fazenda Pública.

O entendimento da Turma é o de que não cabe essa inovação quando a matéria não for de ordem pública ou quando a tese não foi levantada nos autos nem julgada pelo juízo de primeiro grau.

A questão de mérito dizia respeito à possibilidade de o Tribunal Regional Federal da Primeira Região (TRF1) apreciar a limitação temporal do pagamento de prestações advindas de serviços contratados pelo SUS anteriormente a novembro de 1999.

No entendimento do TRF1, a apreciação da matéria se justificava pelo fato de envolver recursos da União, mesmo que a tese apreciada em segunda instância não tenha sido arguida na petição inicial nem decidida na sentença.

Ordem pública

O STJ entende que, havendo o interesse público, nada impede a ampla apreciação da remessa oficial, com exame do direito aplicável ao caso. Mas não cabe ao tribunal inovar no processo como se toda e qualquer matéria fosse questão de ordem pública, só por envolver recursos públicos.

De acordo com a ACCG, “se fosse assim, em todo e qualquer processo em que a União, estado ou município fosse parte haveria questão de ordem pública e possibilidade de inovação processual em favor da Fazenda”.

A entidade apontou violação a diversos dispositivos legais, entre os quais, os que garantem o julgamento nos limites em que a lide foi proposta, a impossibilidade de supressão de instância jurisdicional e o tratamento isonômico das partes processuais.

Voto do relator
Segundo o relator, ministro Napoleão Nunes Maia Filho, a remessa necessária é expressão de privilégio administrativo, condição de eficácia da sentença. Por ser instituto que visa proteger o interesse público, é possível alargar as hipóteses de seu conhecimento, atribuindo-lhe mais do que o efeito devolutivo, mas também o chamado efeito translativo, que permite ao órgão revisor pronunciar-se de ofício em determinadas situações para dirimir questões de ordem pública.

O efeito translativo amplo, contudo, segundo o ministro, não autoriza a conclusão de que toda e qualquer questão passível de ofender, em tese, o interesse público deva ou possa ser examinada, de ofício, pelo tribunal revisor.

“O reexame necessário nada mais é do que a permissão para duplo exame da decisão proferida pelo juiz singular em detrimento do ente público, mas a partir das teses efetivamente postas na demanda”, apontou o ministro. Por essa razão, o tribunal somente pode conhecer de ofício daquelas matérias que também poderiam ser conhecidas de ofício pelo juízo monocrático.

No julgamento, a Primeira Turma deu provimento ao recurso interposto pela ACCG para reformar a decisão do TRF1, na parte referente à limitação da condenação aos pagamentos por serviços prestados anteriormente a novembro de 1999, bem como para elevar os honorários advocatícios de R$ 10 mil para R$ 30 mil.

Ficaram vencidos no julgamento os ministros Ari Pargendler e Benedito Gonçalves. Acompanharam o relator os ministros Arnaldo Esteves Lima e Sérgio Kukina. 

 
Fonte: STJ
 
 
 
 
 
 

Juiz leigo não tem competência para analisar Embargos

No âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, tem sido comum o julgamento, por juízes leigos, de Embargos Declaratórios opostos contra as sentenças homologadas pelos julgadores togados. Tais recursos acabam sendo decididos através de projetos, que são posteriormente levados à apreciação de juízes togados e, finalmente, são ratificados e publicados, momento a partir do qual passam a surtir efeitos, inclusive no que diz respeito à contagem de prazos.
Todavia, em nosso sistema jurídico, não pode o juiz leigo realizar tais julgamentos, ao contrário do que infelizmente está se transformando em rotina no âmbito destes Juizados.
O primeiro argumento apto a embasar a tese ora defendida vem de uma das disposições contidas no próprio Código de Processo Civil. Nesta esteira, o artigo 162 da Lei Adjetiva prevê que “os atos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos” e, logo em seguida, seu parágrafo 1º traz a definição de sentença: “é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos artigos 267 e 269 desta Lei”.
Também cabe ressaltar que o artigo 7º da Lei 9.099/95 afirma que os juízes leigos são auxiliares da Justiça, ao contrário, por óbvio, dos juízes (togados). Em consonância com o CPC, portanto, não cabe ao julgador leigo proferir sentença ou qualquer outra decisão arrolada no artigo 162 do mencionado Codex, pois apenas ao Juiz (togado, investido de poder jurisdicional) cabe tal tarefa.
Logo, por uma conclusão lógica, se depreende que em nenhuma hipótese o projeto de sentença confeccionado por juiz leigo pode ser considerado como uma sentença.
A um, porque a própria Lei 9.099/95 aponta, em seu artigo 40, que ele deve ser submetido ao juiz togado, passando a surtir efeitos apenas após a homologação por parte deste. A propósito, como bem leciona o professor Alexandre Freitas Câmara[1], “pode esse artigo gerar no intérprete a falsa ideia de que o juiz leigo poderia proferir sentença, uma vez que fala o seu texto que ele proferirá ‘ a sua decisão’. Assim, porém, não é. Ao juiz de direito (togado, como diz a lei) cabe proferir sentença. [...]
Tendo o juiz leigo presidido a instrução probatória (o que é possível em razão do disposto no artigo 37 da Lei 9.099/1995), caberá a ele elaborar um projeto de sentença. Esse projeto é imediatamente submetido ao juiz togado que, se com ele concordar, o homologa por sentença. A homologação é o ato do juiz (de natureza sentencial) que adota como conteúdo o ato homologado (ou seja, no caso ora em exame, o projeto de sentença elaborado pelo juiz leigo). É o fenômeno que se dá, por exemplo, quando o juiz, por sentença, homologa uma transação. A sentença é o ato do juiz, mas o conteúdo desse ato é a transação das partes. [...]
Assim sendo, quando o juiz togado homologa o projeto de sentença do juiz leigo ter-se-á uma sentença (ato do juiz togado) cujo conteúdo é o projeto de sentença (ato do juiz leigo). A sentença, porém, terá de ser proferida pelo juiz togado, e é o ato deste que exerce, no processo, a função processual que à sentença cabe.”
E, a dois, pela simples razão de que a decisão emanada do juiz leigo não implica nenhuma das situações previstas nos artigos 267 e 269 do CPC, como bem exige o artigo 162 da Lei Processual. Por sinal, o projeto de sentença não surte qualquer destes efeitos justamente por não ter ainda sido homologado, o que só pode ser feito pelo julgador togado, devidamente investido de poder jurisdicional.
Para que se possa enxergar de formar mais límpida, é útil a menção de um exemplo prático no qual o projeto do juiz leigo (como era de se esperar) não surte os efeitos do artigo 267 do CPC. Imagine-se que, após o juiz togado proferir o despacho inicial, ordenando a citação do réu, ele determine a distribuição dos autos a um dos juízes leigos sob sua supervisão. Feita tal distribuição e, já após ter sido apresentada a contestação pelo réu, o julgador leigo entende pela ausência de uma das condições da ação, o que, por conta do contido no inciso VI do artigo 267, levaria à extinção do processo (sem resolução de mérito).
Entretanto, ainda que o juiz leigo assim entenda e o faça constar em seu projeto, nenhum efeito imediato poderá trazer às partes, justamente porque ele não está investido de poder jurisdicional. Deste modo, o projeto deve se apreciado pelo juiz togado e, caso este concorde com o parecer elaborado, poderá, através da homologação, “transformar” o projeto em sentença. Mas, ainda, caso discorde do entendimento do julgador leigo, poderá proferir decisum totalmente diverso, de acordo com suas próprias convicções.
Assim, se o projeto de sentença, que é a decisão proferida pelo julgador leigo, não surte os efeitos dos artigos 267 e 269 do CPC, não pode ser considerado sentença e, se não o pode, muito menos poderia este mesmo julgador apreciar os aclaratórios opostos contra este decisum, já que se trata de um recurso dirigido ao mesmo juiz que prolatou a sentença.
Conveniente citar, neste contexto, as conclusões de Sônia Márcia Hase de Almeida Baptista, a qual, parafraseando as lições de Moacyr Amaral Santos, aponta que, "o fato de visarem os Embargos de Declaração à reparação dos prejuízos que os defeitos da sentença trazem ao embargante, os caracteriza como recurso. Recurso para o mesmo juiz que proferiu a sentença".[2]
De toda sorte, o juiz prolator da sentença permanece sendo o juiz togado, o que indubitavelmente atrai para si a competência de analisar os embargos de declaração.
A este respeito, é uníssono na doutrina pátria o entendimento de que o mérito dos embargos aclaratórios deve ser analisado pelo próprio prolator do ato embargado. Neste sentido, clara é a lição de Araken de Assis[3]:
“Compete ao órgão judiciário que proferiu o provimento embargado julgar o recurso. Só o autor do ato poderá explicá-lo ou complementá-lo a contento. É nessa ideia simples, mas pouco flexível e enganosa, que repousa a afetação da competência para julgamento.”
Portanto, como bem se nota, apenas pode decidir se a decisão embargada carece ou não de integração ou esclarecimentos o próprio julgador que a proferiu. E, indiscutivelmente, no âmbito dos juizados especiais, é o juiz togado quem profere a sentença, não havendo que se falar em hipótese alguma que a prolação de sentenças compete aos juízes leigos.
Sobre o assunto, já decidiram as Turmas Recursais do estado do Paraná no sentido de que “o juiz Leigo instrui o processo e emite um parecer, e não sentença” e no de que a sentença é prolatada “pelo Juízo togado, ao proceder o ato de homologação do projeto de decisão, apresentado pelo Juiz Leigo, na melhor dicção do artigo 40, da Lei 9.099/95”.
Posicionamento em consonância com o da 4ª Turma Recursal do Rio de Janeiro, que no julgamento do RI 0052591-73.2010.8.19.0004 decidiu pela nulidade do julgamento de embargos aclaratórios realizados por juiz leigo:
Provimento do recurso de fls. 100 para anular o julgamento dos embargos declaratórios por projeto do Juiz Leigo. Pelo exposto voto pelo Provimento parcial do recurso de fls. 100 para anular o julgamento dos embargos declaratórios elaborado por juiz leigo. Os declaratórios devem ser julgados pelo Juiz Togado e não por Projeto como àquele de fls. 98. Sem honorários.”
Assim, uma vez que quem evidentemente profere a sentença, ainda que em processos sob a égide da Lei 9.099/95, é o juiz togado, apenas a ele compete apreciar os declaratórios, não havendo a possibilidade de que o juiz leigo venha a julgar o mérito de tal espécie recursal.
Isso decorre do simples fato de que o Juiz leigo sequer profere sentença. Ora, se não o faz, como poderia integrá-la ou complementá-la através do julgamento de embargos declaratórios?
Aliás, se fosse esse o caso, os próprios prazos se iniciariam tão logo as partes tivessem ciência do conteúdo do projeto de sentença, devendo ser considerados intempestivos os recursos interpostos levando-se em conta a data de publicação da sentença homologada (o que não é aceito pela jurisprudência RI 20060005955-0, julgado pela TRU do Paraná).
Não sem razão, bem ensina Luís Eduardo Simardi Fernandes que ninguém melhor para sanar os vícios existentes em uma decisão do que o próprio prolator, portanto, ainda de acordo com o professor[4], “embora o diploma processual não deixe clara essa situação, a verdade é que o julgamento dos embargos de declaração deve competir, em primeiro grau, ao juiz prolator da decisão embargada e, em grau superior, ao órgão responsável por ela.
E, como já exposto, não restam dúvidas de que não é o juiz leigo quem profere sentença, mas o togado, este sim devidamente investido de poder de jurisdição. Caso contrário, não haveria necessidade de homologação dos pareceres elaborados pelos juízes leigos, que são verdadeiros auxiliares daqueles que integram os quadros da magistratura.
Seguindo esta linha de raciocínio, portanto, os embargos devem ser julgados por quem proferiu a decisão, tendo em vista que apenas este Juiz conhece os reais motivos e a intenção precípua daquele pronunciamento. E, no caso dos juizados, após o juiz leigo entregar seu projeto de sentença para apreciação do Juiz togado, este último, ao ler o projeto, caso perceba a existência de qualquer vício ou incompreensão naquele escrito, tem a faculdade de fazer as modificações adequadas.
Ora, caso note a existência de qualquer dos vícios elencados no artigo 535 do Código Processual, deve integrar, ele próprio (juiz togado), o decisum. Todavia, se não o fez, é porque considerou que a sentença estava apta a ser entendida e interpretada pelos demais interlocutores. Assim, se em uma primeira leitura — aquela feita antes da homologação — foi capaz de compreender todo o contido na decisão, e não fez qualquer alteração, com a oposição dos aclaratórios, deve responder às pretensões da parte, não havendo que se cogitar em um reenvio dos autos ao julgador leigo.
Desta feita, como bem se observa, a conclusão a que se chega, sem que paire qualquer dúvida no ar, é a de que o juiz leigo não profere sentença, mas apenas auxilia o juiz togado, elaborando um parecer sobre o caso, ao qual corriqueiramente se dá o nome de projeto de sentença. Ou seja, sua própria nomenclatura demonstra que tal proposta carece de qualquer eficácia jurisdicional, eis que, sem a devida homologação, não produz qualquer efeito jurídico. Por consectário lógico, não sendo o Juiz leigo o prolator das sentenças, mas sim o Juiz togado, apenas a este cabe analisar os aclaratórios.
Entendimento adverso levaria a graves incongruências e incompatibilidades no sistema dos Juizados. Imagine-se, por exemplo, que o juiz togado opte por modificar o parecer elaborado pelo juiz leigo. Caso se entenda que a competência para apreciar eventuais embargos declaratórios é daquele que confeccionou o projeto de sentença, se permitiria que ele novamente alterasse a decisão prolatada por julgador devidamente investido de função jurisdicional.
O que se percebe é que no momento em que o juiz leigo revisa a sentença proferida pelo juiz togado, tal qual se tem verificado em inúmeras ações, acabam por ser afrontados tanto o artigo 5º, LIII, da Constituição Federal quanto o artigo 536 do CPC, ocorrendo uma clara violação ao princípio do juiz natural, o qual foi expressamente assegurado pelo legislador constituinte.
Portanto, a fim de que absurdos jurídicos deste tipo não se proliferem dentro do sistema dos Juizados Especiais, que tão útil tem sido aos cidadãos e ao próprio Poder Judiciário, os magistrados que supervisionam as secretarias destes juízos devem impedir que após a publicação de suas sentenças os autos retornem aos julgadores leigos.
E, ainda, sempre que as Turmas e Câmaras Recursais deste sistema se deparem com situações disformes como as aqui tratadas, devem decidir pela anulação dos julgamentos dos embargos declaratórios realizados por juízes leigos, ainda que posteriormente homologados por julgadores togados, eis que se trata de criação totalmente incompatível com nosso sistema jurídico.

[1] In Juizados Especiais Cíveis Estaduais, Federais e da Fazenda Pública uma abordagem crítica. - 7. Ed. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012, pp. 115-116.
[2] Santos, Moacyr Amaral apud Baptista, Sônia Márcia Hase de Almeida. Dos embargos de declaração. - 2. ed. rev. ampl. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993. (Recursos no processo civil; v. 4) p. 64.
[3] In Manual dos recursos. São Paulo: RT, 2008, p. 632.
[4] In Embargos de declaração: efeitos infringentes, prequestionamento e outros aspectos polêmicos. São Paulo: RT, 2012, pp. 128-129.

Lara Bonemer Azevedo da Rocha é advogada no escritório Medina & Guimarães Advogados Associados.
Otávio Augusto Vaz Lyra é advogado no escritório Medina & Guimarães Advogados Associados.








 

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