terça-feira, 29 de março de 2011

Feliz aniversário - Salvador 462 anos

Para comemorar os 462 anos da Cidade do Salvador, gostaria de compartilhar com os nossos leitores um texto que é verso em prosa e muito bem expressa o nosso jeito baiano de ser.

Como diria o professor Taurino Araújo em "ATRAVÉS DO AMOR": "De Itapuã à Ribeira, de lado a lado, sempre a minha Bahia querida. Muito obrigado Salvador, de todo coração" . Leia abaixo a íntegra do mencionado título.



 FELIZ ANIVERSÁRIO


TAURINO ARAÚJO – ATRAVÉS DO AMOR[1]


Agradecimento ao Eminente Presidente e à Mesa Alta, constituída pelas autoridades e intelectuais que a compõem.

Senhoras e Senhores, meus amigos, minhas amigas,

Nessa noite memorável de 09 de fevereiro de 2010, quis a munificência divina, materializada pela generosa iniciativa do Vereador ODIOSVALDO VIGAS, que me tornasse, por mercê da unanimidade dos integrantes dessa Casa Legislativa, Cidadão Honorário da Cidade do Salvador. Salvador: berço de grandes nomes das artes, da literatura, da cultura e da política, destaca-se pela singularidade de sua produção. Fui contagiado por sua pujança desde o primeiro momento. Até o sonho de estar aqui foi puro deslumbramento.

Com Salvador da Bahia compartilho a sagrada contradição que concorre para a conquista de grandes objetivos: alegria e persistência, sempre. Nessa terra encantada me sinto intenso, vital e ativo. É como se o contato com a cidade me deixasse pleno de entusiasmo e criatividade para realizar sonhos de grande alcance ser, fazer e ter.

A partir de Salvador conheci o mundo. A inspiração soteropolitana me fez pensar o Direito com porosidade humanística. Essa inspiração me fez reconhecido um dos raros estudiosos do direito moderno, além de cultor da língua portuguesa e da filosofia e essa dívida de gratidão é impagável porque me reconheço na cidade que me reconhece.

Na cátedra, fiz do teorema aristotélico da equidade a catequese que só alcança o ponto de equilíbrio tratando desigualmente os desiguais, síntese construída pelo Professor WASHINGTON TRINDADE, Emérito da Universidade Federal da Bahia:

“Não se tratava, em verdade, de uma parcialidade intolerável de quem tira dos abastados, para dar aos sem terra, sem teto, sem trabalho, sem nada, mas, enfrentar o tema jurídico entre a justiça comutativa e a justiça distributiva, evitando a “osteoporose” das ideologias, decidindo e ensinando, sentenciando e escrevendo numa vigília permanente do teorema aristotélico que faz da igualdade o ponto de apoio da Liberdade, o bem supremo da vida, ‘a mais nobre herança da Humanidade’, como disse GLADSTONE”.

A outorga da cidadania soteropolitana, formalizada através da Resolução 1968/09, registra o ano de meu nascimento, 1968. A data de sua assinatura, 21 de dezembro de 2009, lembra o aniversário de Soraya e de Gabriel.

Numa espécie de síntese, o ano de meu nascimento, 1968, deixou duas heranças: a aversão a toda forma de autoritarismo e a defesa dos direitos civis. O movimento dos estudantes franceses, duramente reprimido nas ruas de Paris, resumiu o espírito inconformista daquela época e o tropicalismo (liderado por dois baianos: GILBERTO GIL e CAETANO VELOSO) propôs inovações tão radicais que virou inspiração para todas as gerações seguintes. Mais que respostas, perguntas. Mais que dogmática, zetética. Considero-me um produto do “ano que não terminou”.

Encaro essa grandiosa homenagem como ritual que me confere nova certidão de nascimento, espécie de batismo, profissão de fé e de compromisso na esperança, na alegria, no amor, na paz, no desejo de “cantar” e de servir.

Por obra do acaso soube, com antecedência, que seria generosamente saudado com a linda canção se todos  fossem iguais a você[2]  

E, por igual coincidência, essa terça-feira antecipa o Carnaval e o meu desejo de “uma cidade a cantar, a sorrir, a beleza de amar”, realimentando esperanças e realizando nova profissão de fé, polifônica em prol da “religação de saberes” a que se refere EDGARD MORIN, numa busca de respostas para as questões planetárias.

Tenho grande afinidade com a canção escolhida, pois creio que o idealismo, mesmo criticado por muitos, é o único salva-vidas com que se pode contar. Sem sonho a vida seria insuportável.

Por paradoxal que pareça, a homenagem enaltece a semelhança, em relação a quem palmilhou o percurso respeitando a diferença. Como advogado, procurei emprestar às causas sob meu patrocínio importância afora o valor pecuniário. Como professor, pautei a minha cátedra na liberdade de ensinar e de aprender. Como cidadão, preferi o diálogo, a persuasão e o convencimento. Como pesquisador, preferi estar além da superficialidade. Tudo isso me vincula à cidade através do respeito, através do amor.

Através do amor, acumulei uma dívida de gratidão com mais de 3 milhões e duzentas mil pessoas e, se partisse para a citação nominal, acabaria injustiçando velhas e sólidas amizades. Tenho, no entanto, o dever de ressaltar o nome do vereador ODIOSVALDO VIGAS que, na Câmara Municipal, lembrou o meu nome entre outros merecedores ao Título de Cidadão Honorário, deflagrando o consenso de seus pares.

A todos, o comovido agradecimento.

É muita emoção para mim, filho do interior, homem do chão levantado, discursar neste Plenário COSME DE FARIAS. Vindo da distante Ubatã, nascido em Jequié, parece ontem o deslumbramento de contemplar Salvador da Bahia, “Lisboa revisitada, sudanesa sedução, Roma negra encravada no ocidente, coração”.

Como o soteropolitano de nascimento, não renuncio ao direito de existir em minha singularidade e, por isso, cultivo a independência de pensamento e de ação:

“amar sem mentir nem sofrer”. O título de cidadão honorário, entretanto, representa um bálsamo para os inconvenientes da autenticidade. Para chegar até aqui venci a mim mesmo quando estive errado e tive a coragem de vencer o mundo a maior parte das vezes.

Não mudaria uma vírgula sequer do que fiz, pensei ou senti. ”Existiria a verdade, verdade que ninguém vê”...

Sou como a Salvador de povo alegre e musical, originalmente musical. Salvador das iguarias singulares, Cidade Baixa e Alta, quase encravada no mar. Salvador de grandes homens e mulheres, Brasil que nasceu na Bahia e, simbolicamente, canta a similitude comigo.

É muita emoção para um peito só. É muita emoção para um peito só: simbiose no lazer, no trabalho e repouso; no Carnaval, na Capoeira e na glória do 2 de Julho. Tudo através do amor.

Existem títulos e títulos. O Título de Cidadão Honorário da Cidade do Salvador enche qualquer pessoa de indescritível orgulho. Diz ARNALDO JABOR que “aqui, de alguma forma misteriosa, todos são donos da cidade. Uma cidade erótica e religiosa, plantada nos cinco sentidos, fluindo do corpo e da terra. Tudo se sincretiza, natureza e cultura... Amores fluem. Os deuses não estão no Olimpo; são terrenos e florestais, estão na rua, no dendê, nas palmeiras... Tenho uma espécie de inveja e saudade desta cultura integrada, dessa sociedade secreta que vejo nos olhares das pessoas falando entre si, uma língua muda que não entendo.

Tenho inveja da grande tribo popular que adivinho nos becos e ladeiras, das pessoas que riem e dançam nas beiras de calçada, que se amam na beira-mar. Tenho inveja desta cultura calma que vive no 'presente', coisa que não temos mais nas 'cidades partidas', sem passado e com um futuro que não cessa de não chegar. Mesmo o progresso urbano e tecnológico aqui fica domado de certo modo pela cultura... E o moderno ganha uma aparência única”.

Felizmente, pude suplantar a inveja (admiração sem esperança[3]), com a outorga do título que enche de gratidão e orgulho a Cidade de Ubatã, onde fui criado; o Município de Gongogi, do qual também sou Cidadão Honorário.

Peço permissão para repartir o prêmio com Rita e Adelino, meus pais. Como eu, eles obtiveram, com tal honraria, muito mais do que poderiam ter esperado. A Soraya, Gabriel, Isaac e Ximena e à linda família que formamos.

Aos irmãos Tilson e Taunai e a uma legião de amigos, formada pelos ídolos de ontem, companheiros de hoje e de sempre; ao Instituto dos Advogados da Bahia, à UESC (Universidade Estadual de Santa Cruz), à OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e à UMSA (Universidad del Museo Social Argentino).

Por fim, através do amor, me torno, orgulhosamente, Cidadão Soteropolitano: de Itapuã à Ribeira, de lado a lado, sempre a minha Bahia querida. Muito obrigado, Salvador, de todo coração.


[1]Discurso proferido pelo professor Taurino Araújo em 09 de fevereiro de 2010 no Plenário Cosme de Farias a Câmara Municipal do Salvador durante a sessão de outorga do Título de Cidadão Honorário da Cidade doSalvador.

[2]Composição de Tom Jobim e Vinicius de Moraes.
“Vai tua vida
Teu caminho é de paz e amor
A tua vida
É uma linda canção de amor
Abre os teus braços e canta
A última esperança
A esperança divina
De amar em paz
Se todos fossem
Iguais a você
Que maravilha, viver
Uma canção pelo ar
Uma mulher a cantar
Uma cidade a cantar, a pedir, a sorrir a cantar
A beleza de amar
Como o sol, como a flor, como a luz
Amar sem mentir nem sofrer
Existiria a verdade
Verdade que ninguém vê
Se todos fossem no mundo iguais a você


[3] na definição KIERKEGAARD

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